'PL da devastação' altera licenciamento ambiental e eleva ânimos no Congresso; veja o que muda
À espera de andamento na Câmara dos Deputados, o projeto que cria a Lei Geral de Licenciamento Ambiental pode ser aprovado sob fortes críticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A proposta voltou à Casa na segunda-feira (26), pouco dias após aprovação no Senado com alterações ao texto original, de 2004.
O licenciamento ambiental é uma concessão do poder público à instalação, ampliação e operação de projetos que usem recursos naturais ou que causem impacto ao meio ambiente. Empreendimentos como rodovias, aeroportos, indústrias, hotéis e loteamentos, entre outros, precisam dessa anuência.
Na Casa Alta, foi relatado pelos senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS), que adicionaram tópicos sensíveis à preservação ambiental. As alterações levaram a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a pedir mais tempo de debate sobre o texto ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), nessa terça-feira (27).
Ela, que tem sido alvo de ofensas pela sua posição sobre a política de licenciamento ambiental, contrária à proposta em discussão, acredita que o texto aprovado pelo Senado não foi suficientemente debatido pelos diversos segmentos da sociedade, como os entes federados, a comunidade científica e a sociedade civil. Segundo Marina, Motta deu a entender que a proposta não seria pautada de imediato, ampliando o espaço de discussão.
A proposta é uma das mais polêmicas que avançam neste mandato. Entre outros pontos, pode facilitar o andamento de ações paralisadas por pendências no licenciamento, como a pavimentação da BR-319, na Amazônia, e o processo de exploração de petróleo em regiões como a Bacia da Foz do Amazonas.
Por outro lado, interlocutores ruralistas defendem que a matéria vai promover a desburocratização na instalação de empreendimentos em todo o País e vai atrair investimentos.
Entenda a proposta
Em discussão há 21 anos no Congresso, o projeto do ex-deputado Luciano Zica (PT-SP) foi aprovado na Câmara em 2021 e levou quatro anos para obter o mesmo êxito no Senado. Na segunda etapa de tramitação, o texto passou por algumas alterações.
Por iniciativa de Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado, foi incluída a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que passará por menos etapas para concessão e terá prioridade na análise, a ser feita no prazo de um ano. O documento será emitido apenas uma vez e aplicado a projetos previamente listados como prioritários pelo Poder Executivo, com base em manifestação do Conselho de Governo.
Este ponto, segundo entidades ambientalistas, pode abrir margem para a exploração de petróleo na Amazônia, um dos objetivos da Petrobras.
Além disso, o Senado incluiu as atividades de mineração de grande porte ou de alto risco no projeto. Pelo texto da Câmara, nesse caso, o licenciamento estaria sujeito às disposições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até que fosse promulgada lei específica.
A mesma dispensa foi concedida as obras em rodovias anteriormente pavimentadas e a atividades que não oferecem risco ambiental e que estejam embasadas em questão de soberania nacional ou de calamidade pública. Por outro lado, o Senado retirou atividades como o tratamento de água e esgoto e o manejo de resíduos sólidos da lista de atividades isentas de licença.
A Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) também passou por modificações. O texto diz que ela será simplificada e expedida mediante uma espécie de autodeclaração de adesão e compromisso do empreendedor.
Será, ainda, ampliada para a maioria dos empreendimentos no Brasil, já que a exceção é válida apenas para aqueles de alto impacto no meio ambiente. Os beneficiários poderão renovar a concessão automaticamente mediante manutenção das características e do porte do empreendimento, além da apresentação de relatório de cumprimento das condicionantes do contrato.
Críticas do ministério
Instituições como a FioCruz, o Observatório do Clima e o próprio Ministério do Meio Ambiente emitiram notas repudiando o conteúdo aprovado por senadores. Para a pasta, alguns dos pontos mais sensíveis são aqueles que modificam a LAC e que fragilizam órgãos colegiados e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O fato de os empreendimentos sob a LAC passarem a ser monitorados por amostragem, dispensando a necessidade de fiscalização pelo órgão ambiental, preocupa o ministério.
O uso da Adesão e Compromisso para regularização de empreendimentos em operação sem qualquer licença ambiental também é danosa. “Para o MMA, a LAC deveria ser adotada somente para projetos de pequeno porte, baixo impacto e que não envolvam áreas sensíveis, sempre com verificação do Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE) por parte do órgão licenciador”, explicou.
O enfraquecimento de órgãos colegiados do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e os Conselhos Estaduais, é outro fator de inquietação.
“Ao transferir competências decisórias para entes federativos de forma descoordenada, pode estimular uma ‘concorrência antiambiental’ entre estados e municípios, que, no intento de atrair mais investimentos, poderão oferecer flexibilizações e padrões menos rigorosos que os municípios ou estados vizinhos, comprometendo a uniformidade dos critérios e a efetividade da fiscalização”, pontuou, ainda.
O ICMBio também seria afetado, já que empreendimentos em unidades de conservação passariam a ser licenciados sem a manifestação obrigatória prévia do órgão gestor da área.
“Tal alteração representa o enfraquecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e abre margem para que empreendimentos impactem diretamente áreas protegidas, como Parques Nacionais e Estações Ecológicas Federais, sem o devido controle”, complementa o ministério.
A nota destaca como “retrocesso”, ainda, a exclusão das áreas de influência indireta (AII) nos estudos de impacto ambiental, deixando de fora a análise de fatores como desmatamento, pressão sobre comunidades indígenas, contaminação de corpos d’água e grilagem de terras.
Queda de braço
Apesar da atuação pontual de alguns membros da base, a Casa Civil de Rui Costa (PT-BA) trabalhou discretamente na aprovação, segundo apuração do Uol. O portal Metrópoles informou que a sua participação foi com o objetivo de conter excessos no texto.
Já o Ministério da Agricultura, chefiado por Carlos Fávaro (PSD), teve atuação mais direta e clara. Após reunião com ruralistas na última semana, ele elogiou a proposta. "O projeto de lei avança e melhora o licenciamento ambiental brasileiro. Isso vai ser um marco no desenvolvimento do nosso país", disse o ministro, ao lado do presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR).
Assim, Marina Silva segue isolada no Governo Federal em relação à rejeição da proposta. Pela posição, ela tem sido alvo preferido de ataques por parte defensores da nova política de licenciamento ambiental.
No episódio mais recente, registrado nessa terça-feira (27), a ministra do Meio Ambiente se retirou de audiência na Comissão de Infraestrutura, onde foi cobrada pela demora na liberação de licenças ambientais, após declarações dos senadores Omar Aziz (PSD-AM), Marcos Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM).
O primeiro atribuiu a ela culpa pela aprovação do projeto em questão. “Se essa coisa não andar, a senhora também terá responsabilidade do que nós estamos aprovando aqui. Pode ter certeza! Pela intransigência, a falta de vontade de dialogar, de negociar, de conversar e de agilizar, mas nós iremos agilizar”, disse Aziz à ministra.
Marina, então, afirmou se sentir ofendida com a declaração e questionou a condução dos trabalhos feita por Marcos Rogério, que, presidindo a sessão, cortou o seu microfone várias vezes e ironizou as suas queixas. Para a ministra, o presidente gostaria que ela "fosse uma mulher submissa".
Nesse momento, sentado ao lado de Marina, Marcos Rogério lhe disse: "Me respeite, ministra, se ponha no teu lugar". Os ânimos se exaltaram, e Plínio Valério completou a lista de indignações da gestora.
Ao iniciar sua fala, o senador disse que “a mulher merece respeito, a ministra, não”. Marina Silva exigiu um pedido de desculpas e, como não foi atendida, retirou-se da audiência. “Eu não poderia ter outra atitude”, pontuou Marina Silva em coletiva após a audiência.
Esse não foi o primeiro insulto dirigido a ela por Valério. Em março deste ano, ele disse o seguinte: “Marina esteve na CPI das ONGs: seis horas e dez minutos. Imagine o que é tolerar a Marina seis horas e dez minutos sem enforcá-la".
Mesmo após chamado de Alcolumbre e representação no Conselho de Ética, ele não demonstrou arrependimento. "Se você perguntar: 'Você faria de novo?' Não. Mas se me arrependo? Não. Foi uma brincadeira".
O episódio foi lembrado pela ministra na audiência dessa terça-feira. "O senador já disse que sente vontade de me enforcar", falou. "Eu não vou pedir desculpas. A senhora está acreditando quando disse que eu sou psicopata? Está com medo de mim?", respondeu ele.
Ao longo do dia, ela foi defendida por diversas figuras políticas, como a primeira-dama Janja da Silva e a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT). O presidente Lula (PT) também conversou com Marina por telefone. Segundo a assessoria da ministra, o assunto foi a saúde do presidente, que se recupera de um quadro de labirintite. Mas durante a ligação, Lula também apoiou a decisão de se retirar da audiência e prestou solidariedade à auxiliar.
Fonte: Diário do Nordeste
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