Embates éticos no cinema de Padilha
Diretor faz de Robocop uma extensão de “Tropa de Elite”, na sua visão sobre política e segurança
A violência se dissemina pelo mundo e, em alguns países, como o Brasil, ganha projeção de impossibilidade de controle. Para combater a criminalidade, os governos apostam na tecnologia, a qual, por sua vez, está cada vez mais íntima do cidadão, que passa a ser o único verdadeiramente fiscalizado.
Estou entre aqueles que defendem um investimento radical na educação como a única viabilidade para avançar um país, reduzir-lhe os problemas sociais e combater a violência. Mas educação é uma palavra que os políticos, de modo especial o político brasileiro, nem quer ouvir. Então, aposte-se em investir no aparato à segurança pública. Afinal, o tema dá votos.
Segurança pública. Esse é, aparentemente, o tema central de "Robocop", a nova versão do clássico sci-fi feito em 1987 pelo holandês Paul Verhoeven, cuja legião de fãs a defende e protege de "remakes". Revisado agora, percebe-se que esse "Robocop" ficou datado, vinculado à sua época de realização, durante a qual tinha o conservador Ronald Reagan como presidente dos EUA.
Mas, o novo "Robocop" vai muito além do tema segurança pública. A cargo do brasileiro José Padilha, o filme tem em seu antecessor apenas uma referência.
Padilha descartou o roteiro oferecido pela MGM e confeccionou um outro, e, neste, embutiu temas que o formalizam como uma extensão de seus dois filmes brasileiros,
"Tropas de Elite 1 e 2", e o robustece com fundamentais temas da atualidade, como a função do Estado, a perda do controle da criminalidade, a indústria armamentista, a manipulação da opinião pública pela imprensa, as questões morais e éticas que envolvem tecnologia, genética e robótica, além de outros subtemas igualmente oportunos, como a terceirização do sistema de segurança via mecanização por robôs, já, de certa forma, utilizados nas guerras externas pelos EUA.
Basicamente, esse roteiro atualiza "Robocop" para este início de século XXI e projeta os seus temas no contexto de um futuro muito próximo para a sociedade humana. Assim, o roteiro estipula os acontecimentos no ano de 2028 - daqui a 14 anos.
O mundo, é óbvio, caso não aconteça uma hecatombe, ainda carregará esse fardo da violência. Para os roteiristas, a violência também estará configurada com os velhos e conhecidos conflitos políticos, como a intervenção militar norte-americana nos países do Oriente - o palco agora é o Irã, ocupado por drones, em nome da perseguição aos grupos terroristas.
E, como cura para o mal, a oferta da tecnologia robótica. Neste cenário, a Omni Corporation, líder mundial em tecnologia robótica, tenta criar um robô capaz de controlar a violência e conquistar a aceitação popular. Para tanto, nada como combinar homem e máquina.
A oportunidade surge quando o honesto policial Alex Murphy (Joel Kinamann) fica à beira da morte. A partir dessa trama, o filme de Padilha discute as questões morais e éticas do uso da tecnologia pelas grandes corporações. O Dr. Norton, criador do Robocop, interpretado por um excelente Gary Oldman, dá voz ao fato de a ciência nunca ter dinheiro suficiente para desenvolver suas pesquisas. Norton oscila como o cientista que trafega entre a criação do bem e a vilania.
Mas, nenhum dos personagens é mais vilão do que Raymond Sellars, o presidente da Omni Corp, que expressa o empresário da tecnologia, corrupto, insaciável, sem escrúpulos. Para ele, Murphy é apenas um modelo que pode ser vendido como a solução para a segurança mundial. O homem na máquina pouco importa, contanto que seja um sucesso de vendas.
Personagens
No processo de criação do personagem, uma das grandes figuras é o jornalista Pat Novak (Samuel L. Jackson), apresentador de um programa de televisão (uma versão tecnologicamente mais avançada do que os programas policiais que salpicam as televisões). É dali que ele manipula a opinião pública.
Ao condenar a violência e defender o uso de drones e robôs, Novak, não é nada mais do que o patriota defensor da automação da polícia, sem, no entanto, analisar a situação em seus mais variados contextos, incluindo os éticos.
Claro, Padilha sabe que a imprensa é o mais importante veículo de informação da sociedade. Mas, assim como os outros setores, não está igualmente isenta de erros. E a televisão é o seu instrumento mais poderoso. O "Robocop" de José Padilha, no entanto, falha em apenas passar pela busca ao humanismo, sem a devida força.
Certamente, a forma mais correta de combate à violência é o investimento no próprio homem. Mais propriamente, em sua educação, no seu desenvolvimento como um ser humano consciente de si e de suas oportunidades e responsabilidades no mundo no qual ele vive. Esse direcionamento, no entanto, fica à beira do caminho.
Lamente-se, também, que Padilha tenha optado por um final que não corresponda, em 100%, aos temas que o filme desenvolveu em mais de duas horas de duração. Busca, no entanto, a ironia com o patriotismo norte-americano. Mas isso não fica muito claro e dá a aparência de que os EUA são mesmo os guardiões da liberdade. É evidente que o cineasta não se prestaria a isso.
Entendo, e quero entender assim, esse desfecho, como uma grande ironia. Mas não resulta em impacto. E um filme precisa de um final que mexa com o espectador. Do que jeito que está lá, até puxa a reflexão, mas sobra a decepção, no sentido de que falta algo mais poderoso.
"Robocop" é, assim, um bom filme, mas poderia ter sido uma obra de maior imponência, de grande impacto com suas discussões filosóficas sobre o homem, a sua sociedade e a ciência. Tudo estaria nota 10 com um desfecho que realmente estivesse à altura do "Robocop" de Padilha.
Pedro Martins Freire
Crítico de cinema
Fonte: Diário do Nordeste
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