segunda-feira, 23 de março de 2015

A cada 36 horas, um idoso sofre algum tipo de violência em Fortaleza


Entre 2013 e 2014, os diversos casos de violações aumentaram 200%, passando de 114 para 342 no período

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De acordo com o Conselho Municipal da Pessoa Idosa, os números não significam que as agressões aumentaram ou não, tendo em vista a subnotificação dos casos
Uma denúncia de violência contra o idoso é registrada em Fortaleza a cada dia e meio. Somente entre janeiro e o último dia 13, foram 44 queixas que chegaram à Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos do Município (SCDH). Em um ano, entre 2013 e 2014, os casos de violações aumentaram 200% na Capital, passando de 114 para 342 ocorrências. Somente o Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE) instaurou mil procedimentos dessa natureza do ano passado para cá.
Segundo o titular do Núcleo de Defesa do Idoso, da 17ª Promotoria do MP-CE, Alexandre Alcântaras, pouco mais de 70% dos suspeitos denunciados têm parentesco direto com a vítima. São irmãos, netos, primos, mulheres ou maridos. Mas a assustadora maioria é composta pelos próprios filhos. Em mais de 50% dos casos, são eles os suspeitos das agressões. "O que surpreende é que em mais de 70% das denúncias, o ataque acontece na própria casa da vítima", comenta ele, acrescentando que a grande maioria é de negligência, maus-tratos, abandono, abuso financeiro e patrimonial, além de violência psicológica".
Foi o que aconteceu com Antônio Pedro da Silva, de 72 anos. Ele é o provedor da família de cinco filhos e três netos. No entanto, as agressões dentro de casa começaram quando negou o pagamento de uma viagem para o filho mais novo. "Aí fui vítima de tudo quanto é palavrão, xingamento, ameaçaram me colocar no abrigo. Foi quando uma vizinha viu me viu quase chorando, que me incentivou a denunciar no Ministério Público", conta.
Segundo dados do Disque 100, quase duas de cada três vítimas (64,74%) são mulheres. Mais de 47% possuem algum tipo de deficiência física. Já o perfil do suspeito é bastante equilibrado: 43% são mulheres e 41%, homens. Os dados da SCDH de Fortaleza apontam que dos 342 casos de 2014, 225 são referentes ao sexo feminino e 117 aos homens com mais de 60 anos de idade.
Dona Zequinha, como é mais conhecida Maria José Lima, de 74 anos, também reclama da falta de carinho e atenção dos parentes mais próximos. Ela, que sofre com osteoporose, ficou durante muito tempo negligenciada em um canto da casa, onde morava com dois filhos. "Sofri e sofro, e aí fui no Ministério pra denunciar. Agora, vivo com uma sobrinha que é um amor de menina e agradeço sempre", relata.
Na avaliação do promotor Alexandre Alcântaras, Fortaleza, assim como o Ceará e o restante do Brasil, não está preparada para o acolhimento à pessoa idosa. "A situação é extremamente grave e só tende a crescer. Não é só responsabilizar a família que, às vezes, é vítima e também fica doente, como também chamar o poder público para essa realidade", aponta.
Para ele, falta muita coisa para que a Política Nacional do Idoso (PNI), de 1994, e o Estatuto do Idoso saiam do papel. "Onde estão os centros-dia, definidos na PNI?", questiona e, mais ainda, o Ceará, afirma, só possui um abrigo público, que vive superlotado e não oferece boas condições estruturais.
"Diz o estudo das Nações Unidas (ONU) que uma das maiores conquistas culturais de um povo em seu processo de humanização é o envelhecimento de sua população, refletindo uma melhoria das condições de vida e isso está longe de se tornar realidade aqui", salienta.
Ainda de acordo com projeções da ONU: "uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, e estima-se um crescimento para um em cada cinco por volta de 2050. A partir daí, pela primeira vez haverá mais idosos do que crianças menores de 15 anos. "O Ceará já possui um milhão de pessoas nessa faixa da população e é preciso oferecer mais suporte a ela, como a construção de um abrigamento de longa permanência em cada região", sugere.
Denúncias
A secretária executiva do Conselho Municipal da Pessoa Idosa (CMPDI), Simone Loyola, avalia que os números não significam que a violência contra o idoso tenha aumentado ou diminuído. "Essa é uma estatística complicada de se fazer, tendo em vista que muitos casos são escondidos e o próprio idoso prefere aceitar a agressão a denunciar".
Ela destaca que abandonar a população dessa faixa etária à própria sorte, negligenciar nos cuidados com elas, agredi-las, mantê-las em cárcere privado para não ter que se preocupar com elas, se apropriar de cartões de benefícios e outros bens, entre outros tipos de violências são considerados crimes e os responsáveis pelo idoso vítima podem pegar de dois meses até 12 anos de cadeia, conforme o caso, além do pagamento de multa.
Simone avalia que o aumento dos registros de violações também ocorre devido ao trabalho de divulgação sobre as várias formas de violações. "Muita gente não sabe sobre a legislação e continua tratando a pessoa como um incômodo que pode ser jogado num canto qualquer e isso não pode acontecer", reafirma.
Segundo ela, quanto mais se falar sobre o assunto, melhor. "Já somos 237,7 mil em Fortaleza. Em dez anos, esse número cresceu 49% e tende a ser maior. Como uma das estratégias, vamos ter a 2ª Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa, nos dias 23 e 24 de abril", frisa.
Os seminários preparatórios já começaram. O próximo ocorrerá no dia 31, no auditório central da Regional III.
Na visão da psicóloga Adélia Pereira, uma das consequências do crescimento acelerado da população de idosos é que os países europeus e o Japão tiveram tempo para elaborar políticas de atenção para essa faixa. "Temos que trocar os pneus com o carro andando", diz.
Capital terá projeto Cuidador Comunitário
O titular da Coordenadoria de Idoso da SCDH, Sérgio Gomes, reconhece os problemas e diz que eles são desafios a serem enfrentados de forma articulada. Por isso, é realizado um trabalho de acompanhamento em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. "Essas violações aumentam, sim, a cada dia e isso será pauta das conferências municipais, estadual e nacional, que acontecerão neste ano. É preciso entender e preparar Fortaleza não mais para o futuro e, sim, para o presente que está aí", ressalta.
Uma das estratégias, adianta, é o projeto-piloto de hidroponia, com objetivo de gerar receita para criar uma nova função: o cuidador comunitário de idoso. Inicialmente, o Conjunto Ceará, Granja Portugal e José Walter serão beneficiados com a construção de estufas para a plantação de tomates-cerejas. "Vamos divulgar chamada pública para que as entidades dos próprios bairros administrem esses locais que vêm produzir uma média de sete toneladas por ciclo de três meses e gerar receita de R$ 50 mil por cada unidade. Esses recursos irão para o Fundo Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa e possibilitarão manter o projeto e ampliá-lo para outros bairros".
Ele esclarece ainda que os cuidadores serão jovens das comunidades que terão bolsa de meio salário mínimo. "Até o fim de junho, estaremos lançando o edital. Nossa meta é em meados de 2016 está com tudo funcionando e beneficiando 1,8 mil pessoas", assegura ele.
A iniciativa tem a parceria das secretarias de Saúde, de Desenvolvimento Econômico, Ação Social e Regional V.
Fique por dentro
Estatuto prevê punição por maus-tratos
O Estatuto do Idoso foi criado por meio da Lei Federal de número 10.741 de 1º de outubro de 2003 e é destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, sejam eles homens ou mulheres.
Além de estabelecer que o cuidado com o idoso é obrigação da comunidade, da família e do poder público, o Estatuto prevê punição na forma da lei para quem praticar contra eles qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. O documento ressalta, ainda, questões relacionadas à proteção integral e o direito à dignidade, liberdade, saúde, respeito, cultura e lazer.
Sobre o direito à moradia, o estatuto diz que a pessoa com mais de 60 anos tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.
A assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será prestada quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família. Toda instituição fica obrigada a manter identificação externa visível, sob pena de interdição, além de atender toda a legislação pertinente. A Lei assegura que o idoso deve ficar preferencialmente com sua família e não ser colocado em asilos.
Mais informações
Ministério Público do Ceará
0800.285.0880
Disque 100
Lêda Gonçalves
Repórter
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Fonte: Diário do Nordeste

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