sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A cultura da resistência


Com insegurança e falta de infraestrutura, alguns equipamentos particulares sofrem para funcionar

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Valéria Pinheiro mostra o portão do Teatro das Marias, que sofreu uma tentativa de arrombamento
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"A sensação que eu tive quando vi a pichação foi de alguém falando: 'Val, abre a porta, eu tô aqui'", fala Valéria, recordando os projetos de inclusão do teatro
A dor é latente. A fala, ininterrupta. No olhar, tristeza, descontentamento. Mas, nas paredes do "lugar em que habita", fotos dos projetos futuros servem como resquícios de esperança. É que o começo da semana não foi dos mais tranquilos para a coreógrafa Valéria Pinheiro e o Café Teatro das Marias, espaço cultural por ela dirigido e localizado nos arredores da Praia de Iracema.
A porta violada e pichada do local, numa tentativa frustrada de arrombamento, na última segunda-feira (23), trouxe à tona problemas de insegurança e de infraestrutura que não se restringem apenas àquele equipamento e que comprometem atividades culturais da região. No desconforto, a busca por soluções inclusivas. Na falta de apoio, a procura por parcerias possíveis.
Desde 2006, quando as paredes do Café Teatro foram levantadas com o "pai-trocínio" familiar de Valéria, os problemas de insegurança se revelaram aos olhos da coreógrafa. "Eu acho que no segundo mês, a gente já teve o primeiro grande furto. Os ladrões entraram pelo nosso telhado e levaram absolutamente tudo. A gente resistiu, fez de novo e, um mês depois, mais um assalto, quando levaram todos os nossos registros em VHS", recorda.
A recorrência aguçou a percepção da coreógrafa que, ao perceber alguns focos de cracolândia, resolveu oferecer aulas gratuitas para usuários de droga e moradores de rua das proximidades.
Entre os anos de 2007 e 2011, apoiado como Ponto de Cultura municipal e estadual, o equipamento ampliou o trabalho de inclusão, fazendo com que a insegurança no local diminuísse significativamente. Mas a não renovação dos editais pelas secretarias impossibilitou a continuidade das atividades.
As reações violentas de segunda-feira e também de outubro passado, quando o local foi mais uma vez assaltado, soam confusas para Valéria.
"A sensação que eu tive quando vi a pichação e o portão violado foi de alguém falando: 'Val, abre a porta, eu tô aqui'. Faz um ano que eu não trabalho diretamente com essa moçada, será que não é isso? Será?", refletiu, angustiada, apesar de reconhecer que não tem condições financeiras para ampliar novamente o projeto. Além da insegurança, a deficiência na iluminação pública é também um dos problemas enfrentados pela coreógrafa, que, muitas vezes, fica na dependência da colaboração dos prédios vizinhos.
"Nem meus funcionários se sentem seguros para vir trabalhar. Meu público teve uma queda de 70% desde o assassinato do padre que houve aqui próximo, fica muito difícil continuar", desabafa. E o descontentamento aumenta quando percebe que os equipamentos vizinhos, como o Teatro da Boca Rica e o Teatro da Praia também vivem de portas fechadas.
Problemas estruturais
O ator e diretor Carri Costa, proprietário do Teatro da Praia, também localizado na Praia de Iracema, ressente o ocorrido com a colega, apesar de reconhecer algumas melhoras nos quesitos de segurança e iluminação. "Eu já passei por momentos de não ter nenhuma iluminação pública, mas hoje é mais tranquilo, até mesmo a questão de segurança, porque conto com o apoio dos estabelecimentos vizinhos", destaca. O maior desafio para Carri diz respeito à infraestrutura, já que desde setembro de 2013, o Teatro da Praia encontra-se fechado para o público, funcionando apenas como sede da companhia do diretor e também de espaço para ensaios. "Quando eu cheguei aqui, tinha uma estrutura diferente, relativamente conservada, mas houve um momento em que a estrutura física do teatro estava comprometida. E eu não vou arriscar a vida de ninguém com um telhado em más condições", explica.
Várias já foram as tentativas de Carri para efetivar parcerias públicas ou privadas que garantissem a manutenção do espaço, mas todas em vão. De acordo com o último orçamento, seriam necessários pelo menos 120 mil reais para garantir o retorno do teatro para o público geral. Mas o diretor revela que não está nem perto de chegar a este valor de forma independente.
Quanto à segurança, ele é categórico. "Eu fecho o Teatro da Praia pela questão da infraestrutura, mas não pela violência. A cultura não pode se dobrar nunca a nenhuma interferência externa e principalmente por algo tão negativo", admite.
Roberta Souza
Especial para o Caderno 3

Fonte: Diário do Nordeste

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