segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Rede de esgoto cresce 0,9% ao ano


Se mantido o aumento médio dos últimos sete anos, a cobertura só chegará a 100% em Fortaleza em 47 anos

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No bairro Cajazeiras, crianças convivem com resíduos de esgotos nas vias públicas e são mais vulneráveis a doenças infecciosas
FOTO: LUCAS DE MENEZES
Aos 50 anos de idade a dona de casa Suzana Moreira, moradora do bairro Cajazeiras, em Fortaleza, ainda não sabe o que é ter rede de esgoto em casa. Na falta do serviço, que é um direito evidentemente básico, a fossa rudimentar no quintal é a solução. Na capital, onde 43% do território ainda não tem esgotamento sanitário, estes e outros improvisos são a regra e o reduzido crescimento da rede, nos últimos sete anos, preocupa.
Entre 2008 e 2014, a ampliação da cobertura de esgoto na Capital foi de apenas 5,57%, passando de 51,43% para 57%. Se mantido este aumento médio, de 0,9% ao ano, fortalezenses terão de esperar ainda 47 anos para ter o sistema de esgoto universalizado na cidade.
No lento processo de ampliação da rede que, conforme a Lei Federal Nº 11.445/2007, está a cargo da Prefeitura e da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) - que tem um contrato de concessão com o Município - o Governo Federal lançou, em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) I, para agilizar a estruturação deste e outros setores nos municípios.
No entanto, das 10 obras pactuadas em Fortaleza, em 2007, 2008 e 2009, entre a Cagece e a União, no PAC I, somente uma foi concluída até agora. Outras seis intervenções estão em andamento, sendo três com previsão de término neste ano. Duas obras serão relicitadas. A construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto no Cocó ainda está indefinida, pois há problemas com os recursos.
Bacias e coberturas
A situação vivida nas Cajazeiras repete-se na Capital, dentre outros nos bairros, em Sabiaguaba, Guararapes, Sapiranga, Castelão, Parque Manibura, Planalto Airton Sena, Granja Portugal, Genibaú e Vila Pery, onde a cobertura só chega a 1%. Os dados constam no "Prognóstico dos Serviços de Esgotamento Sanitário de Fortaleza", que irá subsidiar o Plano Municipal de Saneamento Básico da Capital.
De acordo com o levantamento, Fortaleza é dividida em quatro principais bacias de esgotamento sanitário. São elas: da Vertente Marítima, do Rio Siqueira, do Rio Cocó e do Coaçu/Miriú.
A bacia da Vertente Marítima contempla 26 bairros, situados na área litorânea leste da Capital. Ela é a única bacia onde a população, estimada em 391.287 habitantes, tem cobertura integral de esgotamento. Já Bacia do Rio Siqueira, que agrega 51 bairros (das Regionais I, III e V), atende 61% dos 1.054.087 residentes nestas áreas.
A Bacia do Cocó que tem a maior área e abrange 65 bairros, principalmente das Regionais IV, V e VI, tem 51% de cobertura e uma população de 937.073 pessoas. A Bacia que tem menor cobertura é a do Miriú, que congrega 18 bairros da Regional VI e atende somente a 18% dos 220.118 residentes.
A única obra concluída do PAC I é a ampliação do Sistema de Esgoto SD7 (integrante da sub-bacia do Siqueira) que favoreceu o esgotamento no Autran Nunes, Bonsucesso, Dom Lustosa, Henrique Jorge e João XXIII.
Passados sete anos do primeiros convênios do PAC I, a Cagece explica que, em Fortaleza, a necessidade de readequação de projetos, as licitações fracassadas e a compatibilização dos projetos e cronogramas de execução com algumas obras de mobilidade para a Copa 2014 foram alguns gargalos que afetaram o ritmo regular das intervenções.
Universalização
Conforme a Companhia, "a expectativa, agora, é que as obras das sub-bacias SE-2, SD-6 e CE-4 sejam concluídas neste ano". As das sub-bacias do Cocó devem ser finalizadas em 2016. Questionada sobre a estimativa de universalização da rede de esgoto, a Cagece informa que "com a conclusão das obras, a previsão é que a cobertura chegue a 69% até o fim de 2016 e, até 2018, alcance 73% da cidade".
Já a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), indagada sobre os investimentos feitos pela Prefeitura para a ampliação do esgotamento, respondeu, por meio da assessoria de comunicação, que como a Cagece possui a concessão do serviço de esgoto, compete a ela a estruturação da rede.
Conforme a Seuma, os planos setoriais de esgoto, água e resíduos da Capital foram concluídos e o de drenagem está sendo finalizado. Com a consolidação dos quatro componentes, o Plano Municipal de Saneamento será enviado à Procuradoria Geral do Município para análise e, em seguida, à Câmara Municipal. Não foram estimadas datas para a conclusão dos procedimentos.
O Diário do Nordeste solicitou a Cagece os valores investidos, por ano, para a ampliação da rede e o custo estimado da universalização da cobertura, porém, até o fechamento desta edição, não recebeu resposta.
O Ministério das Cidades também foi consultado sobre os atrasos e reiterou as justificativas apresentadas pela Cagece. O órgão federal disse, ainda, que "reconhece o esforço feito pelo Governo do Ceará para ajustar o ritmo de execução das obras e promover a conclusão com a maior agilidade possível".
Obras do PAC II
Ainda de acordo com a Cagece, Fortaleza tem quatro obras de saneamento conveniadas com a União no PAC II. Duas delas estão contratados, uma em contratação e outra está com o projeto em fase de análise. O Ministério das Cidades afirma que os gargalos que afetaram o PAC I não foram verificados no II.
Investir em saneamento é economizar na saúde

Cada R$ 1,00 investido em saneamento gera economia de R$ 4,00 na saúde. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é ressaltada na pesquisa “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro”, divulgada, em 2014, pelo Instituto Trata Brasil, organização da sociedade civil que atua na mobilização nacional pela universalização do acesso à coleta e ao tratamento de esgoto nas cidades brasileiras.

Conforme o levantamento, que aponta os principais ganhos que o Brasil teria caso o saneamento fosse universalizado, em 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais no País. Destas, cerca de 173 mil foram classificadas pelos médicos como “diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível”. Crianças e adolescentes de até 14 anos, protagonizaram 170,7 mil internações do tipo.

No mesmo ano, o Ceará contabilizou 20.739 internações por doenças infecciosas como cólera, shiguelose, amebíase e diarreia. Enfermidades que estão relacionadas ao consumo de água e as condições sanitárias das pessoas afetadas. Caso a cobertura da rede de esgoto contemplasse integralmente o Ceará, a estimativa do Trata Brasil é de que 4.860 destas internações teriam sido evitadas neste período.

O engenheiro, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Saneamento Ambiental da instituição, André Bezerra dos Santos, reforça o argumento que a carência da rede de esgoto continua sendo determinante para o cenário de vulnerabilidade da população cearense a determinadas doenças. “É uma máxima real. Quanto menor a cobertura, maior o índice de doenças”, assegura.

Gargalos

André explica que um conjunto de fatores ainda entrava a ampliação célere da rede de esgoto em Fortaleza. Dentre eles, o crescimento acentuado da população (estimativa do IBGE aponta aumento 119 mil pessoas entre 2010 e 2014), recursos insuficientes frente ao “enorme déficit do setor” e a ausência de vontade política. O engenheiro ressalta também que há deficiência na concepção dos projetos e que as execuções das obras por serem, dentro de zona urbanizadas, são bastante demoradas.

O professor acrescenta que os investimento em saneamento são considerados caros, pois não são pensados “em conjunto com a saúde”. “É um setor que não é encarado com seriedade pelas politicas públicas”.

Ele disse, ainda, que, além de afetar diretamente a saúde da população, a ausência de esgoto tem grande impacto ambiental, pois os resíduos que não são coletados na rede regular “poluem os recursos hídricos, causando, na maioria dos casos, assoreamento do corpo de água e a morte de animais aquáticos”.
Enquete
Sua residência tem rede regular de esgoto?
"Na minha casa não tem e eu fiz uma fossa que é enterrada no chão. Moro eu e mais outras sete pessoas, sendo duas crianças. Mas, a minha situação não é isolada, nenhuma das casas tem esgoto e a vizinhança também improvisa. Às vezes é preciso aterrar a rua porque a água suja escorre"
Felipe Silva
Pintor da construção civil
"Vim do Interior para Fortaleza há 25 anos e nunca tive uma casa com rede de esgoto. Lá não tinha e quando cheguei aqui também não encontrei. Morei no São Cristóvão e nas Cajazeiras. A gente vive no improviso, com a proteção de Deus, porque é muita lama e muita doença. Mas, as crianças já estão é acostumadas"
Suzana Moreira
Dona de casa
Thatiany Nascimento
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste


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