Acessibilidade é desafio na Capital
Estruturas para portadores de deficiências são raras e falhas; comunicação adequada é barreira
A dificuldade começa ao sair de casa. Os obstáculos de mobilidade já penosos para a população em geral tornam-se ainda mais desafiadores para os que possuem deficiências.
Deslocar-se pela cidade e se incluir socialmente com qualidade e independência é um direito que, no caso do portador de limitações, faz-se constantemente cerceado pelas carências de estruturas e serviços que garantam o fim de barreiras físicas e de comunicação. Sem isso, Fortaleza é uma capital inacessível.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem, no Ceará, 2,3 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Cerca de 16,2 mil habitantes possuem comprometimento total da audição. Quase 37 mil apresentam dificuldade motora e não conseguem se locomover de modo algum. Na área da deficiência visual, o Estado contabiliza 24,6 mil pessoas cegas. Fora estes, existem, ainda, os que revelam incapacidades parciais.
Conforme a lei, promover acessibilidade representa mais que oferecer condições para que esses grupos possam se deslocar. No entanto, é dever dos municípios fornecerem uma infraestrutura urbana que possibilite ao deficiente ter autonomia para explorar e usufruir da cidade, o que começa, antes de tudo, com a oportunidade de se locomover por seus espaços.
Legislação
Para atender às necessidades específicas de deficientes visuais e cadeirantes, por exemplo, a legislação determina, em vias, praças, logradouros, parques e demais espaços de uso público, a construção ou implantação de calçadas para a circulação de pedestres (ou adaptação das já existentes), de rebaixamento dos passeios com rampa acessível ou elevação da via para a travessia em nível, e de piso tátil direcional e de alerta. No mínimo.
Mas o que vemos em Fortaleza, na prática, são calçadas sem manutenção e desniveladas e equipamentos especiais escassos e falhos. Ainda segundo o IBGE, apenas 1,6% das ruas da cidade possuem rampas para cadeirantes, sendo o pior índice dentre as capitais de todo o País.
Juntamente aos dados do órgão, o recente caso da Avenida Monsenhor Tabosa, recém-reformada pela Prefeitura Municipal, também ilustra a falta de planejamento e prioridade para com as necessidades do deficiente. Em tese, a via é adaptada, com a presença de piso podotátil em toda a extensão do calçadão para orientar aqueles com dificuldade visual.
Contudo, a forma infeliz como o instrumento foi implantado, sem percurso contínuo ou alerta para obstáculos no meio do trajeto, tornou-se alvo de crítica dos usuários.
Dificuldade
"A gente vê que a cidade está despreparada. Ainda não percebo uma atitude efetiva para resolver esses problemas, a começar pelas calçadas. Hoje, como usuário de cadeira de rodas, eu sou impedido de andar nas calçadas porque não existe padronização", desabafa Daniel Melo de Cordeiro, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Cedef) e cadeirante.
A lista de dificuldades segue. Pessoas com deficiência auditiva, cuja maior adversidade é no âmbito da comunicação, perderam, em 2013, dois importantes serviços.
Há pouco mais de um ano, as aulas de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a tradução de eventos da Prefeitura para o idioma foram paralisadas por conta de impasses entre a gestão municipal e empresa contratada para realizar o trabalho.
Equipamentos como semáforos com sinal sonoro para cegos são raros. Segundo a Autarquia Municipal de Trânsito (AMC), a Capital possui apenas 12 sistemas, localizados próximos aos institutos e entidades que atendem deficientes visuais.
Também na esfera da locomoção, o transporte público coletivo municipal ainda não adaptou toda a sua frota conforme os parâmetros de acessibilidade. Cerca de 30%dos ônibus e 40% das vans não possuem elevadores ou espaços reservados a pessoas com deficiência.
Participação
Para o presidente do Cedef, as falhas e a carência de estruturas adaptadas são reflexo da não participação de pessoas com deficiência no planejamento das ações de acessibilidade em Fortaleza. "Não há interlocução entre o poder público e as entidades de deficientes, por isso tudo fica vulnerável a não atender às necessidades. É preciso que o Conselho seja solicitado para colaborar", afirma Daniel Melo.
"Esses equipamentos são implantados muito na teoria, esquecem de chamar o deficiente para opinar, testar. Acabam sendo feitos da forma errada", reforça Carlos Viana. O resultado, de acordo com ele, é uma cidade que não dá autonomia para que o deficiente possa ter mobilidade. "Só quem consegue são as pessoas muito atrevidas e desenroladas. Senão, tem muita dificuldade", diz.
O consultor do Projeto Acesso lembra que, além das limitações físicas, a inclusão de deficientes esbarra, ainda, no preconceito e no desrespeito aos direitos do grupo. Em sua opinião, esse é o obstáculo mais difícil de ultrapassar.
"Para a pessoa com deficiência, a falta de conscientização da população é pior que a falta de estrutura. Algumas não respeitam vagas de deficiente, estacionam na frente de rampas para cadeirantes, os motoristas de ônibus não param para nós. É muito complicado", lamenta Viana.
Thauzer Fonteles, titular da Coordenadoria de Pessoas com Deficiência (Copedef) da Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos, reconhece que Fortaleza está longe de ser exemplo de acessibilidade, principalmente no que está relacionado à infraestrutura.
Metas
Entretanto, segundo ele, por conta da dificuldade em adaptar a arquitetura antiga da cidade, a Prefeitura tem se concentrado em munir novas obras e reformas com instrumentos de acesso universal. "Sair quebrando toda a cidade é inviável. O que será feito é que, em breve, um decreto determinará que todas as obras onde há dinheiro público devem contemplar acessibilidade, não só na área arquitetônica. Já está tudo pronto, só falta assinar", afirma Fonteles.
O coordenador revela que as metas da gestão municipal para oferecer melhor qualidade de vida à população com deficiência incluem ações em diversas áreas. Dentre elas, estão a criação da primeira escola bilíngue da Capital para surdos e uma central de intérpretes de Libras, além de um Centro Vocacional Tecnológico, que promoverá capacitações para deficientes com foco na geração de emprego e renda.
Sobre o caso específico da Avenida Monsenhor Tabosa, Fonteles defende que o piso tátil instalado no local não está incorreto, mas pode ser aperfeiçoado. "Estamos abrindo o diálogo para que isso seja refeito. Vai ser melhorado", assegura o titular da Copedef.
Transporte
O chefe da divisão de Planejamento da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), Miguel Guimarães, diz que a acessibilidade também é uma preocupação do órgão e destaca que, até o fim deste ano, toda a frota de ônibus e vans deverá ser composta de veículos adaptados. Segundo ele, motoristas e cobradores recebem treinamento para operar os elevadores utilizados por cadeirantes e os equipamentos passam por manutenção mensal. No entanto, ele diz que as pessoas que se sentirem prejudicadas pelo serviço podem procurar a Ouvidora da Etufor e prestar queixas.
A AMC informou, por meio de nota, que os semáforos com sinais sonoros para cegos podem ser solicitados por qualquer pessoa na sede da autarquia. A equipe de técnicos fará vistoria no local e analisará os critérios para a implantação do aparelho.
Fonte: Diário do Nordeste
Deslocar-se pela cidade e se incluir socialmente com qualidade e independência é um direito que, no caso do portador de limitações, faz-se constantemente cerceado pelas carências de estruturas e serviços que garantam o fim de barreiras físicas e de comunicação. Sem isso, Fortaleza é uma capital inacessível.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem, no Ceará, 2,3 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Cerca de 16,2 mil habitantes possuem comprometimento total da audição. Quase 37 mil apresentam dificuldade motora e não conseguem se locomover de modo algum. Na área da deficiência visual, o Estado contabiliza 24,6 mil pessoas cegas. Fora estes, existem, ainda, os que revelam incapacidades parciais.
Conforme a lei, promover acessibilidade representa mais que oferecer condições para que esses grupos possam se deslocar. No entanto, é dever dos municípios fornecerem uma infraestrutura urbana que possibilite ao deficiente ter autonomia para explorar e usufruir da cidade, o que começa, antes de tudo, com a oportunidade de se locomover por seus espaços.
Legislação
Para atender às necessidades específicas de deficientes visuais e cadeirantes, por exemplo, a legislação determina, em vias, praças, logradouros, parques e demais espaços de uso público, a construção ou implantação de calçadas para a circulação de pedestres (ou adaptação das já existentes), de rebaixamento dos passeios com rampa acessível ou elevação da via para a travessia em nível, e de piso tátil direcional e de alerta. No mínimo.
Mas o que vemos em Fortaleza, na prática, são calçadas sem manutenção e desniveladas e equipamentos especiais escassos e falhos. Ainda segundo o IBGE, apenas 1,6% das ruas da cidade possuem rampas para cadeirantes, sendo o pior índice dentre as capitais de todo o País.
Juntamente aos dados do órgão, o recente caso da Avenida Monsenhor Tabosa, recém-reformada pela Prefeitura Municipal, também ilustra a falta de planejamento e prioridade para com as necessidades do deficiente. Em tese, a via é adaptada, com a presença de piso podotátil em toda a extensão do calçadão para orientar aqueles com dificuldade visual.
Contudo, a forma infeliz como o instrumento foi implantado, sem percurso contínuo ou alerta para obstáculos no meio do trajeto, tornou-se alvo de crítica dos usuários.
Dificuldade
"A gente vê que a cidade está despreparada. Ainda não percebo uma atitude efetiva para resolver esses problemas, a começar pelas calçadas. Hoje, como usuário de cadeira de rodas, eu sou impedido de andar nas calçadas porque não existe padronização", desabafa Daniel Melo de Cordeiro, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Cedef) e cadeirante.
A lista de dificuldades segue. Pessoas com deficiência auditiva, cuja maior adversidade é no âmbito da comunicação, perderam, em 2013, dois importantes serviços.
Há pouco mais de um ano, as aulas de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a tradução de eventos da Prefeitura para o idioma foram paralisadas por conta de impasses entre a gestão municipal e empresa contratada para realizar o trabalho.
Equipamentos como semáforos com sinal sonoro para cegos são raros. Segundo a Autarquia Municipal de Trânsito (AMC), a Capital possui apenas 12 sistemas, localizados próximos aos institutos e entidades que atendem deficientes visuais.
Também na esfera da locomoção, o transporte público coletivo municipal ainda não adaptou toda a sua frota conforme os parâmetros de acessibilidade. Cerca de 30%dos ônibus e 40% das vans não possuem elevadores ou espaços reservados a pessoas com deficiência.
Participação
Para o presidente do Cedef, as falhas e a carência de estruturas adaptadas são reflexo da não participação de pessoas com deficiência no planejamento das ações de acessibilidade em Fortaleza. "Não há interlocução entre o poder público e as entidades de deficientes, por isso tudo fica vulnerável a não atender às necessidades. É preciso que o Conselho seja solicitado para colaborar", afirma Daniel Melo.
"Esses equipamentos são implantados muito na teoria, esquecem de chamar o deficiente para opinar, testar. Acabam sendo feitos da forma errada", reforça Carlos Viana. O resultado, de acordo com ele, é uma cidade que não dá autonomia para que o deficiente possa ter mobilidade. "Só quem consegue são as pessoas muito atrevidas e desenroladas. Senão, tem muita dificuldade", diz.
O consultor do Projeto Acesso lembra que, além das limitações físicas, a inclusão de deficientes esbarra, ainda, no preconceito e no desrespeito aos direitos do grupo. Em sua opinião, esse é o obstáculo mais difícil de ultrapassar.
"Para a pessoa com deficiência, a falta de conscientização da população é pior que a falta de estrutura. Algumas não respeitam vagas de deficiente, estacionam na frente de rampas para cadeirantes, os motoristas de ônibus não param para nós. É muito complicado", lamenta Viana.
Thauzer Fonteles, titular da Coordenadoria de Pessoas com Deficiência (Copedef) da Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos, reconhece que Fortaleza está longe de ser exemplo de acessibilidade, principalmente no que está relacionado à infraestrutura.
Metas
Entretanto, segundo ele, por conta da dificuldade em adaptar a arquitetura antiga da cidade, a Prefeitura tem se concentrado em munir novas obras e reformas com instrumentos de acesso universal. "Sair quebrando toda a cidade é inviável. O que será feito é que, em breve, um decreto determinará que todas as obras onde há dinheiro público devem contemplar acessibilidade, não só na área arquitetônica. Já está tudo pronto, só falta assinar", afirma Fonteles.
O coordenador revela que as metas da gestão municipal para oferecer melhor qualidade de vida à população com deficiência incluem ações em diversas áreas. Dentre elas, estão a criação da primeira escola bilíngue da Capital para surdos e uma central de intérpretes de Libras, além de um Centro Vocacional Tecnológico, que promoverá capacitações para deficientes com foco na geração de emprego e renda.
Sobre o caso específico da Avenida Monsenhor Tabosa, Fonteles defende que o piso tátil instalado no local não está incorreto, mas pode ser aperfeiçoado. "Estamos abrindo o diálogo para que isso seja refeito. Vai ser melhorado", assegura o titular da Copedef.
Transporte
O chefe da divisão de Planejamento da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), Miguel Guimarães, diz que a acessibilidade também é uma preocupação do órgão e destaca que, até o fim deste ano, toda a frota de ônibus e vans deverá ser composta de veículos adaptados. Segundo ele, motoristas e cobradores recebem treinamento para operar os elevadores utilizados por cadeirantes e os equipamentos passam por manutenção mensal. No entanto, ele diz que as pessoas que se sentirem prejudicadas pelo serviço podem procurar a Ouvidora da Etufor e prestar queixas.
A AMC informou, por meio de nota, que os semáforos com sinais sonoros para cegos podem ser solicitados por qualquer pessoa na sede da autarquia. A equipe de técnicos fará vistoria no local e analisará os critérios para a implantação do aparelho.
Fonte: Diário do Nordeste
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